«All that is necessary for the triumph of evil is that good men do nothing» (Edmund Burke)

terça-feira, 29 de março de 2011

Uma conversa surreal... ou não!


Não resisti a transcrever aqui um email que um amigo me enviou a respeito de um tema que me é caro: para que pagamos impostos, afinal?

É uma conversa fictícia entre um contribuinte e o Estado:


Contribuinte: Gostava de comprar um carro.

Estado: Muito bem. Faça o favor de escolher.

Contribuinte: Já escolhi. Tenho que pagar alguma coisa?

Estado: Sim. Imposto sobre Automóveis (ISV) e Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA).

Contribuinte: Ah... Só isso.

Estado: ... e uma coisinha para o pôr a circular: o selo.

Contribuinte: Ah!..

Estado: ... E mais uma coisinha na gasolina necessária para que o carro efectivamente circule. O ISP.

Contribuinte: Mas... sem gasolina eu não circulo.

Estado: Eu sei.

Contribuinte: ... Mas eu já pago para circular...

Estado: Claro!...

Contribuinte: Então.. vai cobrar-me pelo valor da gasolina?

Estado: Também. Mas isso é o IVA. O ISP é uma coisa diferente.

Contribuinte: Diferente?!

Estado: Muito. O ISP é porque a gasolina existe.

Contribuinte: ... Porque existe?!

Estado: Há muitos milhões de anos os dinossauros e o carvão fizeram petróleo. E você paga.

Contribuinte: ... Só isso?

Estado: Só. Mas não julgue que pode deixar o carro assim como quer.

Contribuinte: Como assim?!

Estado: Tem que pagar para o estacionar.

Contribuinte: ... Para o estacionar?

Estado: Exacto.

Contribuinte: Portanto, pago para andar e pago para estar parado?

Estado: Não. Se quiser mesmo andar com o carro precisa de pagar seguro.

Contribuinte: Então, pago para circular, pago para poder circular e pago por estar parado.

Estado: Sim. Nós não estamos aqui para enganar ninguém. O carro é novo?

Contribuinte: Novo?

Estado: É que se não for novo tem que pagar para vermos se ele está em condições de andar por aí.

Contribuinte: Pago para você ver se pode cobrar?

Estado: Claro. Acha que isso é de borla? Só há mais uma coisinha...

Contribuinte: ... Mais uma coisinha?

Estado: Para circular em auto-estradas...

Contribuinte: Mas... mas eu já pago imposto de circulação.

Estado: Pois. Mas esta é uma circulação diferente.

Contribuinte: ... Diferente?

Estado: Sim. Muito diferente. É só para quem quiser.

Contribuinte: Só mais isso?

Estado: Sim. Só mais isso.

Contribuinte: E acabou?

Estado: Sim. Depois de pagar os 25 euros, acabou.

Contribuinte: Quais 25 euros?!

Estado: Os 25 euros que tem de pagar para andar nas auto-estradas.

Contribuinte: Mas não disse que as auto-estradas eram só para quem quisesse?

Estado: Sim. Mas todos pagam os 25 euros.

Contribuinte: Quais 25 euros?

Estado: Os 25 euros é quanto custa o chip.

Contribuinte: ... Custa o quê?

Estado: Pagar o chip. Para poder pagar.

Contribuinte: Não percebi...

Estado: Sim. Pagar custa 25 euros.

Contribuinte: Pagar custa 25 euros?

Estado: Sim. Paga 25 euros para pagar.

Contribuinte: Mas eu não vou circular nas auto-estradas.

Estado: Imagine que um dia quer? Tem que pagar.

Contribuinte: Tenho que pagar para pagar porque um dia posso querer?

Estado: Exactamente. Você paga para pagar o que um dia pode querer.

Contribuinte: E se eu não quiser?

Estado: Paga multa!

terça-feira, 22 de março de 2011

Sócrates e a carga da Brigada Ligeira

"Half a league half a league,
Half a league onward,
All in the valley of Death
Rode the six hundred:
‘Forward, the Light Brigade!
Charge for the guns’ he said:
Into the valley of Death
Rode the six hundred."


(Lord Tennyson, "The Charge Of The Light Brigade")


O que têm em comum Pedro Santana Lopes e José Sócrates? A meu ver, apenas uma coisa: a fuga para a frente como única possibilidade de sobreviver politicamente.

Santana arriscou tudo em troca de um pequeno e inglório vislumbre do Poder, numa campanha que fez lembrar a carga da Brigada Ligeira na batalha de Balaclava, que o génio de Tennyson imortalizou. E Sócrates segue pelo mesmo caminho, colocando a Oposição numa situação em que se vê forçada a derrubar o Governo com o chumbo do famigerado PEC IV. É a fuga para a frente, o seja-o-que-Deus-quiser, o vai-ou-racha, o tudo ou nada...

Porém, a jogada do ainda primeiro-ministro consegue ser mais inteligente que a do seu predecessor - já para não falar de Lord Cardigan, o comandante da infeliz Brigada Ligeira.

Após a recente cimeira europeia, José Sócrates tomou consciência que o recurso à ajuda externa será inevitável. Embora já o esperasse há meses - e daí a adopção de uma estratégia partidária centrada no lema "defender Portugal do FMI", enquanto Passos Coelho afirmava em entrevistas que não se importaria de governar com o Fundo...

Neste contexto, a única forma de Sócrates evitar a sua morte política passa por conseguir deitar as culpas da bancarrota do País e do recurso ao FMI para a Oposição. E a verdade é que, com esta manobra, as hipóteses de o PS vencer as próximas eleições continuam a não ser famosas, mas ainda assim existem. Sócrates tem ainda uma pequena hipótese de vencer e, conhecendo a sua personalidade, será de esperar que a aproveite ao máximo.

A seu favor, tem a lealdade do eleitorado tradicional do PS e a ignorância do português comum em relação aos assuntos económicos e ao funcionamento dos mercados financeiros.

Além disso, a forma como o primeiro-ministro procurou alcançar este objectivo demonstrou mais uma vez o seu brilhantismo táctico: primeiro criou uma crise institucional, ao não informar o Presidente e o PSD das medidas que acordara com Bruxelas. Medidas estas que, por serem tão duras, colocam a Oposição entre a espada e a parede.

Depois desvalorizou a situação e acusou a Oposição de exagerar a questão para criar uma crise política. E agora várias figuras do PS surgem a apelar ao bom senso, à moderação e à intervenção de Cavaco Silva para serenar os ânimos. Um extra-terreste que chegasse agora a Portugal pensaria que a responsabilidade da crise política é exclusivamente do PSD e que este partido governa o País há seis anos.

O mais irónico é que Sócrates pode sair a ganhar das duas formas. Pois se, ao contrário do que se espera, o PEC IV for hoje viabilizado no Parlamento, o Governo fica com condições para de facto meter as contas em ordem. Reparem que não foi por não saber o que é preciso fazer que o Governo não tomou as medidas necessárias, ao longo dos últimos seis anos. A rapidez com que avançaram com medidas como o descongelamento das rendas demonstra-o.

Mas será esta táctica suficiente para garantir a sobrevivência política do primeiro-ministro, ou não passará de uma cavalgada suicida, como a de Cardigan na Crimeia? Só o tempo dirá. Mas é provável que Sócrates consiga manter-se à frente do Partido Socialista, mesmo que perca as próximas eleições... mantendo-se assim na primeira linha da vida política nacional.

(Texto publicado também no Farpas)

sexta-feira, 18 de março de 2011

Geração rasca à rasca

Por motivos que me são alheios, o texto que se segue foi escrito para um jornal on-line e não chegou a ser publicado. Data de inícios de Março. A ler:

Geração rasca à rasca

Em 1994, altura em que se aproximava o meu ingresso no Ensino Superior e em que as políticas educativas eram, já, sobejamente contestadas, os estudantes do secundário e do superior promoveram uma série de manifestações pelo país para tentar alertar para os problemas futuros que dessas políticas poderiam advir. Vicente Jorge Silva, à época director do jornal Público, foi autor de um editorial em que apelidava a minha geração de “Geração Rasca”. Resumindo o texto (que conservo bem recortado nos meus arquivos de textos que adivinho que ainda darão que falar, no futuro), Vicente Jorge Silva achava que não passávamos de uns insurrectos irresponsáveis sem objectivos, para nós e para o país, minimamente definidos.
17 anos passados, essa mesma geração que não teria motivos para ter vindo para as ruas, na visão de Vicente Jorge Silva e de muitos dos que, na altura, o aplaudiram, está a braços com o desemprego e a precariedade laboral, em que as licenciaturas ou especializações de nada valem. Uma geração de biscateiros se houver a sorte de encontrar um biscate. Veja-se, a este exemplo, os Censos 2011, a que milhares de licenciados concorreram para, em curtos 2 meses e com remuneração exígua, fazerem o levantamento da população e da habitação no território nacional. Gostava, sinceramente, de ouvir/ler a actual opinião do ex-director do Público, posterior deputado do Partido Socialista.
A “Geração Rasca” passou, então, agora, a ser a “Geração à Rasca”, nome dado ao movimento gerado no Facebook que organiza uma manifestação nacional já no próximo dia 12 de Março. Esta manifestação, que se pauta pela originalidade de não surgir de qualquer partido político, sindicato, grupo politizado ou afins, convoca todos os “desempregados, quinhentoseuristas e outros mal remunerados, escravos disfarçados, subcontratados, contratados a prazo, falsos trabalhadores independentes, trabalhadores intermitentes, estagiários, bolseiros, trabalhadores-estudantes, estudantes, mães, pais e filhos de Portugal!”. Adivinho, já, por motivos óbvios, uma forte adesão, tal como adivinho, já, por motivos políticos e sociais, a manutenção do statu quo (chamem-me pessimista ou realista, ambos os epítetos me assentam e são, cada vez mais, sinónimos).

PS – Aconselha-se, vivamente, a leitura deste texto ao som da polémica “Parva que Sou”, dos Deolinda. Goste-se ou não (e já muito se leu a favor e contra), a voz de Ana Bacalhau vale sempre a pena ser ouvida.

A retirada dos Estados Unidos e o renascer da Entente?

A presente crise líbia deu origem a um fenómeno geopolítico muito interessante que, talvez devido ao ritmo dos acontecimentos, tem escapado à atenção da maior parte dos 'media' globais. Refiro-me ao aparente ressuscitar da centenária entente cordiale enquanto 'player' militar verdadeiramente actuante no Mediterrâneo, 55 anos depois do desaire do Suez.

Com efeito, a ofensiva de Khadafi contra o derradeiro bastião rebelde em Benghazi foi travada devido a um ultimato do Reino Unido e da França, duas potências europeias que a sabedoria convencional há muito havia condenado ao declínio geopolítico.

Ao contrário do que normalmente sucederia, a liderança da coligação internacional que se opõe ao regime de Khadafi não cabe aos Estados Unidos. Isto nota-te até nos protestos anti-ocidentais nas ruas de Tripoli: os manifestantes gritam juras de ódio à França e à Grã-Bretanha, mas não aos Estados Unidos.

E ao contrário do que se poderia pensar à primeira vista, tal não será apenas uma manobra de relações públicas ou uma forma elaborada de fazer a guerra por procuração, por parte da administração Obama. Nas negociações que tiveram lugar nas últimas semanas, com vista à imposição de uma zona de exclusão aérea sobre a Líbia, os EUA foram altamente pressionados pelos seus parceiros europeus para assumirem a liderança de uma coligação anti-Khadafi, mas recusaram-se a fazê-lo e até a comprometerem meios substanciais na região. Perante esta atitude, os governos da França e do Reino Unido chegaram a admitir agirem sozinhos e sem mandato da ONU.

Mas a que se deve a pressa e a arrogância quase imperial por parte de Sarkozy e Cameron? E porquê a passividade dos EUA? Como é evidente, a resposta a este enigma reside no interesse nacional da França e da Inglaterra, que continuam a ser as duas únicas potências militares credíveis da Europa.

Antes de mais, Khadafi é uma ameaça maior para a Europa do que para os EUA. Um regime hostil e apoiante do terrorismo, situado a apenas 750 milhas do Sul de França, será um pesadelo. Por outro lado, há que não esquecer que o ditador líbio prometeu expulsar as petrolíferas britânicas e francesas que exploram crude no seu país, entregando as concessões a grupos chineses e indianos. E, além disso, ameaçou abrir os portões da Europa a milhões de africanos famélicos. Se sobreviver, o regime de Khadafi converter-se-á numa ameaça muito séria para o Velho Continente.

Por isso, ao contrário do que aconteceu na Bósnia e no Kosovo, os europeus não esperaram que os americanos agissem. Será o fim de uma era e o começo de uma nova? Só o tempo dirá.

O certo é que, no Reino Unido, já se fala do cancelamento dos cortes nos gastos com a Defesa que o governo Cameron pretende realizar. Os britânicos têm cada vez maior consciência de que, a prazo, os Estados Unidos vão dedicar-se cada vez menos à defesa da Europa e que esta terá de ser defendida pelos seus naturais.

Ronald Reagan, que nos anos 80 bombardeou a própria casa de Khadafi, deve estar às voltas no túmulo. Porque não agem os Estados Unidos? A resposta a esta questão reside num 'cocktail' de vários factores: o 'síndroma' do Iraque, o receio de alimentar ódios no mundo árabe e a perda de relevância da Europa e do Mediterrâneo na estratégia dos Estados Unidos (que agora estão mais focados na Ásia-Pacífico). Ou seja, à retirada do 'império'.

(Publicado também no Farpas)

quinta-feira, 17 de março de 2011

O Governo À Rasca

O principal problema deste governo é o de ser parte integrante da geração à rasca. Lá no fundo, como muitos outros cidadãos, querem emigrar, ser governo num outro país – um qualquer, em que exista maior estabilidade e bem menos problemas. Também eles querem mudar de governo, mas não o podem dizer, porque são o governo e o objectivo do governo é ser poder.

Tal como os jovens da geração à rasca, este governo também é precário – é um governo a recibos verdes, sem saber como será o futuro. E, como os jovens à rasca, a sua grande ambição é ser do quadro, ter uma maioria absoluta. Enfim, encontrar alguma estabilidade, que lhe permita sair de casa dos pais e montar uma sua, que lhe dê hipótese de constituir família, sem o empecilho do partido, como fez Cavaco Silva.

São expectativas aceitáveis e compreensíveis.

O problema é que a situação não se confina a isto: o governo é, também, como a geração dos pais da geração à rasca: farta-se de pagar, está envidado até ao tutano – entre as dívidas herdadas e as novas, contraídas para manter o estilo de vida, está à beirinha de cortar os pulsos. E já não consegue contentar quem quer que seja.

Por isso, dizem que no tal sábado de todas as manifestações, no dia 12 de Março e 2011, o governo reuniu-se num conselho de ministros extaordinário, nos jardim da residência oficial do primeiro-ministro, em S. Bento, para se manifestar, empunhando cartazes e bradando palavras de ordem.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Energia verde


O sismo, seguido de Tsunami, que atingiu o Japão está a provocar o pânico nuclear. As explosões dos reactores na central de Fukushima podem originar uma verdadeira catástrofe, com consequências bem piores do que o próprio terramoto.

Foi necessário um incidente desta envergadura para que os chamados países nucleares, como a Alemanha, Rússia ou França tomassem medidas. Centrais nucleares vão ser encerradas, outras analisadas. Só na Europa são cerca de 160… Portugal não tem energia nuclear, mas um qualquer desastre em países vizinhos, como a Espanha (que conta com seis centrais nucleares e oito reactores) pode afectar-nos.

Esta é uma boa altura para enfatizar uma opinião que sempre tive. Uma das maiores, senão mesmo a mais importante, herança que o Governo Sócrates vai deixar ao povo português é a aposta nas energias verdes, com o novo investimento em barragens e, sobretudo, com a força das eólicas.

Hoje esta energia pode ainda ser muito cara, mas o tempo fará dela o futuro. E, pelo menos nisto, Portugal está na liderança mundial. O crédito tem de ser entregue a quem o tem e aqui ele pertence muito a Manuel Pinho, o ministro que se demitiu depois de apontar um ‘par de cornos’ ao deputado do PCP Bernardino Soares.

Nem tudo são más notícias!





Segundo notícias vindas a lume, no caldeirão em que se transformou este país, existe a intenção de tributar o golfe a 6% de IVA. Acho muito bem, afinal de contas um desporto de massas e com benefícios para as massas deve ser descriminado em relação aos desportos elitistas que grassam por esse mundo fora. Meu senhores, lembro-me, como se fosse hoje, que desde os meus tempos de infante que o golfe faz parte da minha vida. Recordo-me, com uma exactidão de arrepiar, que após a escola, enquanto uns, poucos rebeldes, jogavam à bola (esse desporto de burgueses) no meio da estrada, outros, felizmente a maioria, havia que se dedicavam, certamente contagiados pelo facto de ser uma disciplina, que desde sempre fez, parte dos programas de educação física, no interior dos clubes (quais condomínios privados) a jogar golfe. Ora, como em tudo na vida, de imberbe passei a jovem adulto (essa etapa da vida cheia de facilidades) e reparei que os adereços que usava já não servem (maldita ditadura da moda e do crescimento corporal). Por isso, com licença. Vou pegar no meu iate, movido a gasóleo agrícola, e vou a Monte Carlo, comprar os meus sapatos CAT, a camisola louis vuitton, o chapéu dior, o saco burberry, as luvas versace, o trolem/buggy Frazer e o taco de madeira, aço, ferro e até de gelatina. E porque já estou num centro comercial gigante, após todos estes apetrechos, aproveito e abasteço-me, a uma taxa inferior à praticada em Portugal, dos víveres necessários à minha sobrevivência. Desculpem ter de ser breve, mas tenho que me despachar, visto amanhã, logo de manhã, participar numa palestra, paga (tempo é dinheiro), no clube de golfe, sobre como os portugueses devem apertar o cinto em nome da prosperidade do país.

terça-feira, 15 de março de 2011

Portugal vai renascer

«Não somos, ao contrário do que alguns pensam e dizem, um país pequeno, sem recursos e condenado à decadência. Temos uma história gloriosa, com altos e baixos, é certo, mas que nos demonstra o contrário. Em alguns períodos não temos sabido governar-nos. É verdade. Mas é útil, para o futuro, aprender a distinguir o trigo do joio, os honestos dos pecadores e não nos deixarmos cair no derrotismo masoquista, em que alguns se comprazem. Criticar é fácil e protestar, mais ainda. É legítimo, aliás, em democracia, criticar e protestar, desde que o façam pacificamente. Mas agir, desinteressada e conscientemente, é melhor, desde que seja em função de uma alternativa, coerente, eficaz e estruturada, tendo uma visão do futuro, inserida num mundo em mudança. É o caminho para podermos sair do atoleiro em que nos encontramos» - Mário Soares (DN de 15 de Fevereiro)


Nem sempre concordo com Mário Soares, mas aprecio o seu optimismo e capacidade de ver além do momento presente. Portugal já passou por momentos mais complicados do que o actual. Recordemos a crise de 1383/1385, as longas Guerras da Restauração, as Invasões Napoleónicas, as Lutas Liberais, o caos da Primeira República, a Ditadura, a Guerra Colonial, o PREC e o êxodo de "retornados" das colónias...

Em todos esses momentos, os portugueses souberam vencer e dar a volta por cima. E ao fim de 900 anos de História, mesmo estando em crise, fazemos parte do restrito clube dos países mais ricos e desenvolvidos do mundo (sim, Portugal continua a ser um país relativamente rico, com um PIB per capita que é o dobro do brasileiro e mais de seis vezes o da China...).

Outros povos mais poderosos fraquejaram e tombaram perante perigos menos evidentes: ao passo que a História do nosso está repleta de momentos em que tudo parecia perdido, mas em que por uma unha negra saímos vencedores. É como se a Lei de Murphy, segundo a qual tudo o que pode correr mal vai mesmo correr mal, não se aplicasse em Portugal. As próprias tradições populares contêm vestígios dessa crença na intervenção da Providência: a lenda do Galo de Barcelos é disso exemplo.

Faço por isso minhas as palavras do velho estadista, no "Diário de Notícias" de ontem. Se um octogenário consegue manter esta confiança no futuro, como não poderia eu acreditar que podemos e devemos sair do 'buraco'?

segunda-feira, 14 de março de 2011

A mulher de César


Todos nós ouvimos dezenas ou centenas de vezes a famosa expressão “À mulher de César não basta ser honesta, há que parecer honesta”. Ao ler a notícia de que o Governo de Sócrates se prepara para repor o IVA do golfe a 6%, abandonando os actuais 23% previstos no Orçamento de Estado de 2011, esta frase não me sai da cabeça.

O último OE alterou as regras para todos os desportos, nomeadamente para os ginásios, onde milhares de portugueses pagam mensalidades para se tentarem manter magros o suficiente para continuarem a apertar o cinto. O golfe também foi alvo de cortes. Este desporto é um importante negócio. Segundo o ‘Jornal de Negócios’, em 2009 o golfe contribuiu com 500 milhões de euros para a economia portuguesa, sendo também um importante atractivo para receitas de turismo.

Não ponho nada disto em causa. Temos de continuar a apostar no golfe e na modernização do nosso turismo, de forma a permitir a captação de mais receitas e mais qualificadas para o nosso País. Mas numa altura em que se anunciam mais medidas de austeridade, com congelamentos e cortes nas reformas, abrir uma excepção aos praticantes de golfe, uma franja da sociedade que todos sabemos que vive com imensas dificuldades financeiras, não é gozar, literalmente, com o povo?

Sócrates: não basta que peças sacrifícios, também tens que te sacrificar.

O diabo pode estar nos detalhes, mas Deus está no que é belo

Podemos rezar para pedir, agradecer ou louvar. E encontramos estes três aspectos no hino 'Gloria in excelsis Deo', que com os seus veneráveis 1.600 anos é um dos mais antigos da tradição cristã. Ouvi-lo com a música que Vivaldi lhe emprestou não deixa de ser, também, uma forma de orar.

O diabo pode estar nos detalhes, mas Deus está no que é belo:

(Post publicado também no Farpas)

Desafio aos leitores do Reviralho

O Reviralho quer saber o que respondem os seus leitores à seguinte questão: o que faria se estivesse neste momento no lugar de Aníbal Cavaco Silva?

As mensagens serão publicadas no Reviralho, sendo que os autores dos melhores textos terão direito a um brinde surpresa.

Participem e enviem as vossas respostas para reviralho2011@gmail.com!

O que faria se fosse Presidente

A resposta é simples e permitam-me a ousadia de parafrasear um grande homem: obviamente, demitia-o!

Demitia o Governo, claro. Porque este Governo já não tem condições para dirigir os destinos do País. Já ninguém acredita no que o primeiro-ministro diz. A alocução com que nos brindou hoje tinha mais semelhanças com o último discurso de Mubarak do que com o do chefe de governo de um país civilizado e democrático.

O Presidente da República deveria nomear um governo de iniciativa presidencial dirigido por uma figura como Guilherme de Oliveira Martins. Um homem honesto, de reputação impoluta e competência reconhecida, que liderasse um governo com representantes dos partidos do chamado arco governativo (PS, PSD e CDS).

Seria literalmente um governo de salvação nacional. E depois, já com a casa em ordem, convocar-se-iam novas eleições.

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Nota: a foto foi retirada do excelente blogue do Portugal Profundo.

Tudo free e bons rapazes!

Era uma vez, um conjunto de empresários quiseram investir em Portugal. Era uma vez, estabelecem vários contactos para o seu intento, afinal de contas, criavam-se mais empregos, riqueza e, pasme-se, importava-se um conceito totalmente inovador no país, local ávido de novidades e de comparações com a Europa, essa senhora cada vez mais inalcançável! Era uma vez, nasce um empreendimento, com nome inglês e tudo! porque isto de ser europeu e cosmopolita tem o que se diga, ainda que o povo mal saiba ler e escrever! Era uma vez, nasce o freeport, aliás nome curioso, já que free, foi como, alegadamente, se sentiram alguns dos intervenientes no processo, e como sempre, porque em Portugal as coisas querem-se de modelo europeu, aliás foi um port free (porto livre), espécie de local onde, parece, as regras pouco contam! Era uma vez, e alguém quis investigar como este sentimento free deu origem a uma série de tomada de decisões, no mínimo estranhas. Era uma vez, e as autoridades judiciárias, fruto do seu trabalho, descobrem uma possivel teia de confusões e promiscuidades no que toca a todo o processo. Era uma vez, e tenta-se tirar a limpo toda a estória do processo e a partir daqui, pasmemo-nos todos, começamos a divergir da Europa e mostramos que afinal de contas somos e seremos sempre habitantes de um free port com 900 anos de estória e de comportamentos próprios. Era uma vez, e os agentes da justiça, essa figura surda e muda, no seu habitual laboro tentam ouvir todos os implicados no processo. Era uma vez, e esse intento fica amputado já que, alegadamente muito ficou por esclarecer. Era uma vez, e os agentes da justiça, por descargo de consciência, vertem no seu relatório uma série de questões que gostariam de ver respondidas. Era uma vez, a PGR, determina um processo de averiguações àquela conduta. Era uma vez, e para este trabalho de averiguações e de determinação de pena a aplicar é “sorteado” (pelos visto mediante um processo virtual e tão secreto que os demais participantes, do Conselho Superior do Ministério Público, o desconhecem), nada mais nada menos que o free Dr. Castro Caldas, indivíduo que, só por mero acaso, já foi colega de governo a quem se endereçavam as interrogações que ficaram sem resposta. Era uma vez, e o PGR, na sua ânsia de demonstrar a sua atitude free, afirma que essa nomeação se baseou, unicamente, na free lei das probabilidades estatísticas. Era uma vez, e o que faz o dito senhor free em quem recaiu, aleatoriamente, a arte de punir os infractores? Usa a sua atitude free e escusa-se a pegar no processo por questões de conflito de interesses? (...mulher de César não basta parecer, tem de o ser). Não, pelos vistos dedica-se ao processo, a acreditar em notícias recentes, como se não houvesse amanhã, na ânsia de determinar o seu desfecho. Era uma vez, e o resultado do processo de averiguações, unicamente assente na free dos intervenientes, segue dentro de momentos, porque somos uma nação port free, em que os trabalhadores laboram com uma produtividade acima da média…europeia, essa velha senhora que tantas dores de cabeça nos dá.
Era uma vez um país,...porque este não o é!

domingo, 13 de março de 2011

Nem todos querem empregos para a vida...

Uma das razões do sucesso da manifestação da chamada “Geração à Rasca” foi o facto de ser realmente apartidária e de incluir pessoas de todas as sensibilidades políticas.

Por isso, fiquei algo desiludido com a cobertura que os media fizeram do acontecimento, fazendo parecer com que todos os manifestantes quisessem o mesmo: empregos para a vida.

Eu e outras pessoas que foram à manifestação não queremos empregos para a vida. O que queremos é ver o esforço e o mérito devidamente reconhecidos e recompensados. Não existe justiça quando o mundo laboral está dividido entre os que estão “instalados”, com empregos e regalias para a vida, e os que, por necessidade, têm de se sujeitar a situações de falsos recibos verdes ou a contratos de estágio verdadeiramente leoninos. Ou há justiça ou comem todos, como diz o povo!

Não existe justiça quando o próprio Estado, através da Administração Central ou de institutos públicos, recorre a falsos recibos verdes.

Quem trabalha deve ser recompensado e reconhecido. É urgente retirar regalias a quem as tem em demasia e conceder maior protecção a quem está a entrar no mercado de trabalho. Se necessário facilitando os despedimentos.

Trotsky: um génio sem escrúpulos

Estou a ler a biografia de Trotsky, de Robert Service. Um retrato inteligente de um homem genial mas sem escrúpulos, que criticava Estaline mas utilizava métodos semelhantes e que perdeu a batalha contra este último devido à sua arrogância e vaidade intelectual.

Trotksy cometeu um erro de avaliação que lhe custaria o poder e a própria vida. Do alto da sua soberba, o estratega da Revolução de Outubro e fundador do Exército Vermelho considerava Estaline um mau líder e um burocrata medíocre. Nada mais errado: Estaline era aparentemente um simplório com falta de 'mundo', mas revelar-se-ia um político astuto e brutal.

A meu ver, homens como Trotksy e Estaline eram simplesmentes patifes e oportunistas sem escrúpulos, para quem os fins justificavam os meios. E é bom não esquecer que no panorama político português ainda há quem seja seguidor das suas doutrinas, que por onde foram aplicadas só espalharam miséria moral e material.

A propósito, porque é que Francisco Louçã já não admite em público que é trotskista?

(Texto publicado também no Farpas)

"Não têm pão? Que comam bolos!"

Nos últimos dias, a manifestação da chamada Geração à Rasca foi alvo de críticas ou de até de desprezo por parte de comentadores como José Pacheco Pereira, Miguel Sousa Tavares, João Pereira Coutinho, Constança Cunha e Sá e Maria João Avillez.

A meu ver, isto apenas demonstra como estas luminárias da nossa praça estão desligadas da realidade dos cidadãos comuns e de como são insensíveis às suas dificuldades. Maria Antonieta, com o seu célebre "Não tem pão? Que comam bolos!", não faria melhor.


No entanto, muitos dos seus argumentos são facilmente desmontáveis:

1. "É mais fácil protestar do que inovar". O génio que disse isto deve pensar, do alto do seu delírio, que é fácil criar uma empresa em Portugal. Não só a banca não empresta dinheiro sem garantias - ou seja, não arrisca! - como o chamado 'venture capital' é escasso.

2. "Os jovens que protestam querem apenas as regalias que as gerações mais velhas têm". Esta é, provavelmente, a crítica mais idiota de todas. Porque quem a faz está a reconhecer, mesmo sem o admitir, que em Portugal existem cidadãos de primeira e de segunda. Se os privilégios das gerações mais velhas são excessivos, acabem com eles. Caso contrário, alarguem-nos a toda a população. Ou há justiça ou comem todos!

3. "O Manifesto da Geração à Rasca está mal escrito". Sim, está mal escrito. E então? As pessoas têm menos direitos por causa disso?

4. "Manifestações como esta baseiam-se na demagogia e põem em causa a democracia representativa". Quem diz isto esquece-se que o Povo tem o direito de se manifestar e que a democracia não é coutada dos partidos. E que se o Povo já não se revê nos partidos, talvez seja porque estes têm feito por isso. Porque meteram na gaveta projectos como a criação dos círculos uninominais? Porque reduziram o Parlamento a uma espécie de ajuntamento de 'yes man' cuja única 'virtude' é a lealdade canina aos líderes partidários? Porque procuram transformar a democracia em partidocracia? Além disso, é bom lembrar que se o Povo português já não se revê neste regime, continua a ser democrata até à medula. Este é, de resto, o legado mais positivo do Regime de Abril: os portugueses já não vão em cantigas autoritárias. A democracia não está em causa.

5. "Os jovens são uns malandros que só querem copos e não gostam de trabalhar". Esta acusação não deixa de ser parva, até porque malandros e bêbedos existem em todas as idades. As empresas e a função pública estão repletas de malandros que pertencem à geração destes comentadores e que têm dos tais empregos para a vida! Por outro lado, note-se que muitos dos que ontem se manifestaram trabalham há vários anos de forma precária, muitas vezes em regime de falso recibo verde em instituições do próprio Estado! Apenas querem que o seu trabalho seja reconhecido e devidamente compensado. Isso é ser malandro?

(Texto publicado também no Farpas)

sexta-feira, 11 de março de 2011

Geração à rasca....

Amanhã é o dia da manifestação da Geração à Rasca. A minha geração.

Pertenço à geração que encontrou um mundo cheio de virtudes e perversidades. O meu pai sempre me disse, durante a minha infância e adolescência, que tinha a obrigação de me dar um curso superior, carta de condução e primeiro carro. As condições que ele dizia serem necessárias para eu ganhar a minha independência. O meu pai enganou-se e enganou-me. O que ele não sabia, é que o mais importante para a minha independência foram os valores que ele, a minha mãe e os meus avós me deram durante os anos da minha juventude.

Os meus pais têm memórias bem vivas das dezenas de anos em que viveram em ditadura, tal como os meus avós, que a isso somam as provações que tiveram que viver durante a segunda Guerra Mundial e a guerra colonial. Felizmente bebi todas essas aprendizagens. Graças a eles, não dou nada por adquirido. Trabalho todos os dias sem viver perante os louros de bons trabalhos do passado.

Sou da geração à rasca, uma geração privilegiada em muitos aspectos. Brinquei na rua, numa altura em que o podia fazer sem medo de doenças ou criminosos. Brinquei em casa e apanhei o advento da Internet e dos ‘gadgets’. Sou da geração em que pais da classe média, média baixa e mesmo baixa conseguiram proporcionar, pela primeira vez, educação superior aos seus filhos. Sou da geração em que aconteceu o ‘boom’ de primeiros licenciados na família.

E o que aconteceu a esta geração? Está à rasca. Está à rasca por várias razões. Está neste estado por culpa de outras gerações, as que dominam o País há décadas. Está neste estado por causa de dinastias, sim, porque há famílias que perpetuam no poder os seus descendentes há vários séculos. E está neste estado por causa das políticas destes anos. Proteccionismo para uns, precariedade para os outros. Uns vivem dos direitos adquiridos e esquecem os deveres. Outros só têm deveres e não conseguem conquistar direitos. Concordo com muito do que o movimento geração à rasca defende. Com quase tudo. Mas não posso deixar pensar que é também necessário fazer uma análise à culpa da nossa geração....

Uma geração em que muitos, é verdade, pensavam que bastava um curso para trabalhar. Melhor, para arranjar o emprego. Em que outros, os que não conseguem (ou não procuram) oportunidades, acabam por criticar ou desvalorizar os que as conseguiram. Uma geração em que após acabar o curso, muitos se recusam a mudar de cidade para procurar as ditas oportunidades. Uma geração que não percebe que o mercado é global e que é preciso ir atrás das oportunidades. Uma geração que, se calhar, deve pedir explicações à geração dos seus pais, aquela que os educou e que muitas vezes se esqueceu que mais importante do que um curso são os valores. Na geração em que não há almoços grátis, não podemos desistir de lutar por aquilo que queremos.

O que mais espero desta geração, além de se afirmar como uma solução para salvar este País, é que não se esqueça de passar os valores que herdou às gerações futuras...

O reinado dos miguéis sousas tavares do burgo



Ando farto dos miguéis sousa tavares deste país! Alguma vez os miguéis de sousa tavares tiveram que enviar CV, na vã tentativa de obterem um emprego, em qualquer coisa deste burgo e nunca obtiveram qualquer resposta? Alguma vez, os miguéis sousa tavares concorreram, na vã tentativa, a um qualquer concurso da administração pública e verificaram que os mesmos são corrigidos a lápis! ou então, que se fundamentam na espantosa entrevista de selecção e constataram, no mesmo dia, que o lugar já estava preenchido pelos miguéis sousa tavares deste brugo! Alguma vez, os miguéis sousa tavares deste país trabalharam a recibos verdes, sem qualquer protecção social e foram, mais tarde, preteridos em nome de outros miguéis sousa tavares, que só por pura coincidência são filhos, amigos ou conhecidos do empregador que antes, a pretexto da crise, pagava ao jovem salários esclavagistas, mas que após contratarem os miguéis sousa tavares, como que por magia, a crise passa e os miguéis sousa tavares, colocados num qualquer lugar sem resposabilidade, mas cheio de direitos, passam a ganhar muito mais que o trabalhador que fora preterido em seu nome! Alguma vez os miguéis sousa tavares deste ajuntamento de pessoas, que alguns teimam chamar de país, tentaram lançar-se no empreendorismo e se viram confrontados, para além da falta de acesso ao crédito, com a burocracia, com a concorrência local, e sobretudo, desleal de quem tem negócios idênticos e tudo faz para que a erupção de concorrência seja pura e simplesmente abafada ou espezinhada em nome da manutenção de privilégios locais e nacionais! Alguma vez os miguéis sousa tavares deste rectângulo, beira-mar plantado, tiveram ou têm, na esperança de terem um futuro menos negro que os seus progenitores, de prolongar os seus estudos em licenciaturas; mestrados; especializações e doutoramentos, para constatarem que no fim do percurso e, após envio de dezenas, centenas ou milhares de CV, a resposta que, com alguma sorte, obtêm é, invariavelmente: “excesso de habilitações”; “falta de habilitações”; “sem experiência”. Entretanto, o tempo passa e o jovem, por via da “especialização” em enviar CV, outro trabalho não pode esperar que não o de carteiro e isto se houver vagas, porque os miguéis sousa tavares estão entretidos a serem doutores e engenheiros (cursos tirados enquanto meninos de bem e que outra coisa não fizeram, enquanto estudantes, senão a de andarem entretidos nas associações académicas com outros miguéis sousa Tavares) bem instalados, a comandar os carteiros deste país!!!

"Meus senhores, como todos sabem, há diversas modalidades de Estado. Os estados sociais, os corporativos e o estado a que chegámos." (SALGUEIRO MAIA)

quinta-feira, 10 de março de 2011

A moção faz-de-conta


O BE lançou uma moção de censura ao Governo. Faz-de-conta que queria derrubar Sócrates. Na verdade, Francisco Louçã, o mais experiente dos políticos portugueses em actividade, tinha dois objectivos. Primeiro, ultrapassar o PCP, que andava a avisar que estava a estudar uma moção. Segundo, dizer que quer derrubar Sócrates mas, ao mesmo tempo, mantê-lo no Governo. Loucã cumpriu tudo aquilo a que se propôs. No entanto, nem sempre a soma de um mais um dá dois e desta vez o BE pode descontar os ganhos e perder pontos como, aliás, as sondagens já revelam. Isto porque os portugueses estão fartos do jogo do faz-de-conta e perceberam a jogada. Se ele queria derrubar Sócrates, precisava do apoio do PSD, precisamente o único partido que pode tirar o poder ao engenheiro. Ora como o próprio BE fez questão de incluir o PSD nas críticas da moção e como os seus dirigentes cedo fizeram saber que seria ridículo um apoio social-democrática à mesma, o resultado só podia ser um: mais um dia de parlamento a brincar ao faz-de-conta.

Além disso, se Sócrates caísse e Passos Coelho assumisse o Governo, qual seria a vantagem para as metas a que se propõe o BE?

Entretanto, e neste jogo, o PSD e o CDS usaram da abstenção, perpetuando o faz-de-conta. É que só estes dois partidos estão interessados em derrubar Sócrates, pois só estes têm aspirações de chegar ao poder. No entanto, com esta jogada, dificilmente terão o apoio futuro da esquerda numa nova moção. É que BE e PCP desta vez votaram a favor, mas será muito complicado apoiar uma iniciativa similar do outro extremo da bancada.

Enquanto se brinca ao faz-de-conta, Sócrates passa entre os pingos da chuva. Ele, realmente, é único que ganha com o jogo das moções e que não esconde a verdade (pelo menos neste aspecto): O Engenheiro quer manter-se no poder…É que Sócrates sabe que no dia em que o abandonar dificilmente lá voltara. A não ser, é verdade, que enquanto os políticos brincam ao faz-de-conta, o tempo dê ao engenheiro mais tempo, para que ele tenha alguns números que precisa para também poder continuar a brincar ao faz-de-conta.

quarta-feira, 9 de março de 2011

De quem é a culpa?

Não partilho do ponto de vista dos meus colegas 'bloggers' do Reviralho, a respeito do discurso de Cavaco Silva. O Presidente fez o seu papel: falou a verdade. E a culpa do estado em que nos encontrámos não é de Cavaco, que, se bem me lembro, quando liderou o Governo criou condições para que a economia crescesse. Não foi apenas sorte e fundos comunitários, como já ouvi dizer...

Claro que Cavaco não é nenhum santo e cometeu erros, a começar por certos amigos que escolheu. Além disso, não corrigiu problemas estruturais de que a economia portuguesa padecia e criou outros que ainda hoje persistem.

Porém, mais grave que qualquer problema deixado pelo Cavaquismo foi a desaceração do crescimento da economia portuguesa que teve início a partir de 1998, em consequência da falta de medidas que garantissem a competitividade nacional no quadro da pertença à moeda única; de facto, a maior parte dos problemas actuais têm a sua origem na incapacidade de a nossa economia crescer.

E isso, por muito que custe aos críticos de Cavaco e de tudo aquilo que ele representa, não é culpa do economista de Boliqueime, mas sim de Guterres, Barroso, Santana e Sócrates (*). Diria mesmo que este último tem mais culpas que os outros três juntos. Foi nos seus seis anos de governo que a dívida pública disparou para níveis só comparáveis aos dos últimos anos da Monarquia. Foi também Sócrates que desperdiçou a oportunidade única para realizar as reformas estruturais necessárias que lhe foi possibilitada pela maioria absoluta e por um longo estado de graça.

Além disso, em vez de estimular uma concorrência sadia e assente na inovação, o primeiro-ministro apoiou determinadas empresas em detrimento de outras. Aumentou ainda mais a dependência dos empresários em relação ao Poder (como se isso fosse possível!). Negociou contratos com tiranos de quatro continentes, que no fim de contas só serviram para financiar momentaneamente empresas que de outra forma não conseguiriam competir no plano internacional.

Engordou a máquina oficial e não oficial do Estado... e por aí fora. O resultado está à vista e só um cego acredita na desculpa de que a culpa é da "crise internacional". Há um padrão curioso: a culpa é de toda a gente, excepto de quem governa Portugal há seis anos, cinco dos quais com maioria absoluta.

Depois de tanta propaganda, que legado deixa Sócrates? Um país arruinado, a maioria das empresas aflitas, milhares de cidadãos a passar necessidades e milhões de jovens sem esperança... Sei que tinha apenas 16 anos em 1995, mas lembro-me bem do legado que Cavaco deixou.






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(*) - Sobre o legado económico do Cavaquismo, recomendo a leitura deste excelente post do Quarto da República, que desmistifica por completo muitos dos lugares comuns que se ouvem sobre o alegado papel de Cavaco na criação do 'Monstro'.

Mais um reviralho

O Reviralho conta a partir de hoje com o novo colaborador, o Vítor Silva. Bem vindo Vítor!

Ideias soltas sobre um novo mundo

2011 já é um ano histórico. O primeiro trimestre ainda não acabou e temos um novo mapa político no mundo árabe que vai acabar por se estender a muitos outros países. Tunísia, Egipto, agora Líbia, são apenas exemplos do que vai continuar a acontecer. A luta pela democracia destes povos é o ponto mais positivo do ano, finalmente ditadores e ditaduras, apoiadas durante décadas pelos interesses ocidentais, começam a cair. No entanto, enquanto vão caindo, todo o mundo ocidental é impactado. Os primeiros efeitos fazem-se sentir no bolso dos consumidores, com o preço da gasolina a disparar. Mais tarde vai começar o receio generalizado de quem vai tomar o poder nestes países. Serão verdadeiras democracias ou, pelo contrário, vamos cair em novos regimes autoritários? E, caso seja este o cenário, estes vão ser amigos ou inimigos do ocidente?

Aqui, num país em crise, não temos muito tempo para estas preocupações geopolíticas. Apesar disso, Sócrates só pode estar chateado. Kadhafi, um amigo que montou tenda em S. Julião da Barra, é o culpado pelo disparar do preço de petróleo que, por sua vez, põe, uma vez mais, em risco os números da execução orçamental. Com o acréscimo da despesa, do povo e do Estado, aumento o descontentamento. O Estado, porque provavelmente vai ter de cortar mais, do povo, porque já não tem mais por onde cortar. Entretanto, é neste cenário, que toma posse o Presidente reeleito. O dia das televisões mostra o discurso duro, realista, de quem tem também responsabilidades no cartório mas as esquece. Cavaco incentivou os jovens a levantar a voz, a irem para a rua. Dia 12, sábado, muitos jovens estarão certamente na rua. Mas, Sr. Presidente, duvido que vão lá estar pelo seu incentivo, muitos, até, vão marcar presença por sua causa. É que também contribuiu para o estado a que o Estado chegou.

O mundo mudou muito nestes últimos meses e Portugal, com o seu habitual atraso, ameaça ir atrás. Os jovens, há muito desligados da política, começam a ganhar consciência do seu peso, de que a união, ainda que em desacordo sobre ideologias, faz a força. Não espero que a Avenida da Liberdade se transforme numa Praça Tahir, nem tal faria qualquer sentido, mas acredito que, finalmente, a chamada Geração à Rasca ganhe consciência de que para mudar as coisas é necessário ter um papel activo e interventivo.

Quem diz que quem espera sempre alcança é porque, provavelmente, nunca teve de trabalhar na vida…

Cavaco e o estado a que o Estado chegou

Não tivesse sido Cavaco Silva primeiro-ministro durante dez anos e Presidente da República há cinco anos e eu era capaz de ter ficado convencido que alguma coisa iria mudar na política portuguesa. O discurso de tomada de posse foi um dos melhores que ouvi nos últimos tempos, uma excelente análise à situação do País e um falar directo para a população descontente com este Estado que levou ao estado a que a gente chegou.


O problema é que Cavaco foi um dos rostos deste Estado em mais de metade dos últimos 25 anos. E como rosto do Estado que levou ao estado a que a gente chegou terá dificuldade em conseguir passar a mensagem de que não conhece apenas o País virtual e mediático, mas principalmente o País real, e que não vê os Portugueses como “uma estatística abstracta”.


Cavaco não poupou críticas à outra face do Estado que levou ao estado a que a gente chegou, a do Governo de José Sócrates. Mas, ao mesmo tempo, o Presidente pediu que “Governo, Assembleia da República e demais responsáveis políticos assumam uma atitude inclusiva e cooperante, que seja também factor de confiança e de motivação para os nossos cidadãos” e alertou que “a estabilidade política é uma condição que deve ser aproveitada para a resolução efectiva dos problemas do País”.


Completamente de acordo, mas parece-me que lá no fundo no fundo o actual Governo não faz parte da “estabilidade política” desejada por Cavaco, a tal estabilidade que deverá proporcionar “um programa estratégico de médio prazo, objecto de um alargado consenso político e social”.


Apesar de não dar indícios de que poderá usar a bomba atómica e dissolver o Parlamento, Cavaco acende o rastilho para que a pressão sobre o Governo suba. “É necessário que um sobressalto cívico faça despertar os Portugueses para a necessidade de uma sociedade civil forte, dinâmica e, sobretudo, mais autónoma perante os poderes públicos”, exortou.


E para quem tenha dúvidas sobre o que significa um “sobressalto cívico”, a três dias da manifestação da Geração à Rasca, o Presidente incentivou os jovens: “Faço um vibrante apelo aos jovens de Portugal: ajudem o vosso País! Façam ouvir a vossa voz”, como que a dizer “para a Avenida da Liberdade, rapidamente e em força!”


E agora, a parte divertida e que extasia os comentadores da nossa praça, a de tentar conjecturar qual a estratégia de Cavaco. Que o Governo caia numa luta onde não seja usada a bomba atómica por parte de Belém, e, depois disso, sim, passar à “estabilidade politica” e para o “programa estratégico de médio prazo”.


Seria bom que apesar de Cavaco ser um dos rostos do Estado que levou ao estado a que a gente chegou, o Presidente acredite realmente no que discursou e não tenha feito uma jogada táctica para acertar contas com aqueles que engendraram a tal “campanha de calúnias, mentiras e insinuações”, denunciada no discurso após a vitória nas eleições.

terça-feira, 8 de março de 2011

É assim o Povo pah!

“É como se o Coelho da Madeira tivesse ganho as Presidenciais”. Foi o primeiro comentário que ouvi à vitória dos Homens da Luta no Festival da Canção. E parece que chovem interpretações de muitos comentadores sobre o que significa para o estado moral do País ter escolhido o Jel e o Falâncio para irem à Alemanha representar Portugal (Merkel que se cuide).


O Festival da Canção parece um espelho do País, de definhação gradual ano após ano. Ouvindo bem, e não sendo eu um melómano, a música da Luta é má, mas as outras candidatas não eram muito melhores. Aristóteles defendia que a encenação era externa ao enredo das histórias realmente importantes. Era um factor que não poderia ser o essencial de uma obra de arte. E o que se viu foi pouca substância com muitos factores externos à mistura, para ver se se disfarçava a coisa. Músicas más, letras postiças, sempre com um discurso de “mar”, “Descobrimentos”, “infante”. Como se fosse um festival de epopeias e as narrativas das músicas tivessem de passar por grandes feitos passados. Até por isso, mereciam ter mais qualidade para não afrontarem a nossa História.


São discursos vazios e nos quais os intérpretes realmente não acreditam. Hoje ninguém se deita preocupado se o Infante D. Henrique abriu uma escola em Sagres ou não. O vazio do discurso tende a ser compensado pela encenação. E o mesmo se passa na Política. Os discursos são vazios, não são genuínos e são folclore, para não terem de ser incisivos sobre o que realmente importa. O enredo é mau e tenta-se compensar isso com efeitos de cenografia. Com luzes, cenários espectaculares e músicas hollywoodescas a dar também para o épico.


São discursos vazios e nos quais os intérpretes realmente não acreditam. E o pior é que gradualmente o povo também vai deixando de acreditar, pah!!! Assim, não estranha que a inércia e o desleixo tanto no Festival da Canção como na Politica permita “sacrilégios” como os Homens da Luta ou o Coelho da Madeira, conseguidos por uma narrativa que satiriza os discursos postiços e sem substância. É assim o Povo, pah!.




domingo, 6 de março de 2011

Khadaffi e o regresso dos piratas

Em entrevista ao "Journal do Dimanche", Khadaffi afirmou que a se a Europa o deixar cair dentro em breve teremos piratas a atacar a 50 km das nossas costas. Por muito louco e excêntrico que seja, o velho facínora tem razão: se a Líbia se transformar numa nova Somália ou numa espécie de emirado 'jihadista', aumentará o risco de ataques terroristas em solo europeu ou mesmo de um regresso aos tempos dos piratas da Barbária (*).



Porém, a solução não passa por apoiar patifes como Khadaffi, que com estas declarações procura manipular as almas medrosas de muitos europeus. A solução passa antes por agir de forma rápida e decisiva no sentido de estabilizar a Líbia. O Ocidente tem o dever de ajudar os líbios a livrarem-se de Khadaffi - por exemplo, impondo uma zona de exclusão aérea - e de seguida contribuir para a estabilização do país, impedindo outras forças hostis de aproveitarem o vazio de poder.


A este respeito têm surgido, no entanto, alguns indícios preocupantes. Hoje foi noticiado que os rebeldes líbios prenderam oito agentes britânicos que tinham viajado para Benghazi com o objectivo de estabelecer contacto com os cabecilhas da oposição a Khadaffi. A prisão dos ingleses, que entretanto foram libertados, sugere que pelo menos parte dos rebeldes não vê com bons olhos a ajuda ocidental.

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(*) - Na década de 1830, a colonização do Norte de África pelas potências europeias foi em parte justificada pela necessidade de acabar com a pirataria, que era então protegida e alimentada pelos 'beys' de Argel, Tunes e Tripoli. E a primeira guerra que os Estados Unidos travaram em solo estrangeiro foi precisamente contra os piratas líbios, entre 1803 e 1805. Portugal também foi alvo destes piratas durante séculos: de Caminha a Vila Real de Santo António, ainda são visíveis os ex-votos colocados nas igrejas por pessoas raptadas por piratas do Norte de África, que assim agradeciam o resgate do cativeiro.

sexta-feira, 4 de março de 2011

O pessimismo de Pacheco Pereira

«(...) a bizarria, para usar uma expressão caridosa e meiga, da narrativa comunicacional, com as habituais excepções, ficará como um momento em que o jornalismo não informou, mas "lutou" por uma causa. Causa da sua imaginação, mas não da nossa realidade. Muitas vezes me lembrei dos relatos da imprensa europeia sobre a "revolução portuguesa" de 1974 que hoje não se podem ler sem sentir o ridículo»

Pacheco Pereira tem razão em muito do que diz neste post, a respeito da cobertura jornalística das revoltas nos países árabes. Mas passa ao lado do essencial, talvez devido a um pessimismo exagerado: nada justifica a tirania. Mesmo que as revoltas árabes degenerem em novas ditaduras, não é possível conter o desejo de liberdade de centenas de milhões de seres humanos só para que os europeus possam dormir a sesta tranquilos. E é mesmo de liberdade que estamos a falar, ainda que a seguir os árabes a utilizem mal e se deixem manipular por forças anti-democráticas. Não é possível conter esta onda, mas os países europeus podem tentar canalizá-la.
O que a Europa deve fazer é adaptar-se: primeiro, apoiando de todas as formas possíveis as forças democráticas nesses países, à semelhança do que fez com Portugal nos anos 70. Segundo, reforçando as suas defesas no Mediterrâneo. A História está de volta.

Novo colaborador

O Reviralho tem a partir de hoje um novo colaborador, o meu colega jornalista Rui Barroso. Bem vindo!

O 'mea culpa' que falta ouvir

A chamada “geração à rasca” tem com certeza os seus defeitos: sei-o bem porque tenho muitos amigos que preferem ficar em casa dos papás a pegarem o touro pelos cornos e enfrentarem a vida.

Dos meus colegas de curso, vários preferiram permanecer no desemprego a terem de fazer o sacrifício de migrarem para Lisboa para ganharem “uns míseros 700 euros”. Ainda hoje, seis anos volvidos após o fim do curso, ouço comentários do género “tu é que tiveste sorte”. Esquecem-se dos sacrifícios que tive de fazer: deixei a minha terra, a família e os amigos para vir para Lisboa trabalhar 12 horas por dia em troca de 397 euros por mês. A esses respondo que "a sorte constrói-se".

Sim, a “geração à rasca” tem muitos defeitos.

Mas a “geração à rasca” tem razão em dois aspectos da mais elementar justiça: o primeiro é que as leis laborais protegem em demasia os mais velhos em detrimento dos mais novos. Há jovens que trabalham o dobro dos trabalhadores mais antigos e que auferem salários miseráveis, por vezes ocupando cargos de responsabilidade. Isso não é justo e nunca é demais dizê-lo.

O segundo ponto é que foi a geração mais velha que conduziu a economia portuguesa a esta situação lastimável, hipotecando o futuro dos seus filhos e netos. E admitindo que possa existir alguma responsabilização colectiva, a verdade é que os maiores culpados são quem teve poder para decidir nos últimos quize anos: a elite política e empresarial portuguesa, que com frequência partilha a mesma cama.

Por esta razão, os gestores e políticos que atiram farpas à "geração à rasca" deviam antes levar a mão direita ao peito e pronunciar um 'mea culpa' pelo triste estado a que conduziram este País.


(Texto publicado também no Farpas)