
Com efeito, a ofensiva de Khadafi contra o derradeiro bastião rebelde em Benghazi foi travada devido a um ultimato do Reino Unido e da França, duas potências europeias que a sabedoria convencional há muito havia condenado ao declínio geopolítico.
Ao contrário do que normalmente sucederia, a liderança da coligação internacional que se opõe ao regime de Khadafi não cabe aos Estados Unidos. Isto nota-te até nos protestos anti-ocidentais nas ruas de Tripoli: os manifestantes gritam juras de ódio à França e à Grã-Bretanha, mas não aos Estados Unidos.
E ao contrário do que se poderia pensar à primeira vista, tal não será apenas uma manobra de relações públicas ou uma forma elaborada de fazer a guerra por procuração, por parte da administração Obama. Nas negociações que tiveram lugar nas últimas semanas, com vista à imposição de uma zona de exclusão aérea sobre a Líbia, os EUA foram altamente pressionados pelos seus parceiros europeus para assumirem a liderança de uma coligação anti-Khadafi, mas recusaram-se a fazê-lo e até a comprometerem meios substanciais na região. Perante esta atitude, os governos da França e do Reino Unido chegaram a admitir agirem sozinhos e sem mandato da ONU.
Mas a que se deve a pressa e a arrogância quase imperial por parte de Sarkozy e Cameron? E porquê a passividade dos EUA? Como é evidente, a resposta a este enigma reside no interesse nacional da França e da Inglaterra, que continuam a ser as duas únicas potências militares credíveis da Europa.
Antes de mais, Khadafi é uma ameaça maior para a Europa do que para os EUA. Um regime hostil e apoiante do terrorismo, situado a apenas 750 milhas do Sul de França, será um pesadelo. Por outro lado, há que não esquecer que o ditador líbio prometeu expulsar as petrolíferas britânicas e francesas que exploram crude no seu país, entregando as concessões a grupos chineses e indianos. E, além disso, ameaçou abrir os portões da Europa a milhões de africanos famélicos. Se sobreviver, o regime de Khadafi converter-se-á numa ameaça muito séria para o Velho Continente.
Por isso, ao contrário do que aconteceu na Bósnia e no Kosovo, os europeus não esperaram que os americanos agissem. Será o fim de uma era e o começo de uma nova? Só o tempo dirá.
O certo é que, no Reino Unido, já se fala do cancelamento dos cortes nos gastos com a Defesa que o governo Cameron pretende realizar. Os britânicos têm cada vez maior consciência de que, a prazo, os Estados Unidos vão dedicar-se cada vez menos à defesa da Europa e que esta terá de ser defendida pelos seus naturais.
Ronald Reagan, que nos anos 80 bombardeou a própria casa de Khadafi, deve estar às voltas no túmulo. Porque não agem os Estados Unidos? A resposta a esta questão reside num 'cocktail' de vários factores: o 'síndroma' do Iraque, o receio de alimentar ódios no mundo árabe e a perda de relevância da Europa e do Mediterrâneo na estratégia dos Estados Unidos (que agora estão mais focados na Ásia-Pacífico). Ou seja, à retirada do 'império'.
(Publicado também no Farpas)
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