«All that is necessary for the triumph of evil is that good men do nothing» (Edmund Burke)

quarta-feira, 9 de março de 2011

Cavaco e o estado a que o Estado chegou

Não tivesse sido Cavaco Silva primeiro-ministro durante dez anos e Presidente da República há cinco anos e eu era capaz de ter ficado convencido que alguma coisa iria mudar na política portuguesa. O discurso de tomada de posse foi um dos melhores que ouvi nos últimos tempos, uma excelente análise à situação do País e um falar directo para a população descontente com este Estado que levou ao estado a que a gente chegou.


O problema é que Cavaco foi um dos rostos deste Estado em mais de metade dos últimos 25 anos. E como rosto do Estado que levou ao estado a que a gente chegou terá dificuldade em conseguir passar a mensagem de que não conhece apenas o País virtual e mediático, mas principalmente o País real, e que não vê os Portugueses como “uma estatística abstracta”.


Cavaco não poupou críticas à outra face do Estado que levou ao estado a que a gente chegou, a do Governo de José Sócrates. Mas, ao mesmo tempo, o Presidente pediu que “Governo, Assembleia da República e demais responsáveis políticos assumam uma atitude inclusiva e cooperante, que seja também factor de confiança e de motivação para os nossos cidadãos” e alertou que “a estabilidade política é uma condição que deve ser aproveitada para a resolução efectiva dos problemas do País”.


Completamente de acordo, mas parece-me que lá no fundo no fundo o actual Governo não faz parte da “estabilidade política” desejada por Cavaco, a tal estabilidade que deverá proporcionar “um programa estratégico de médio prazo, objecto de um alargado consenso político e social”.


Apesar de não dar indícios de que poderá usar a bomba atómica e dissolver o Parlamento, Cavaco acende o rastilho para que a pressão sobre o Governo suba. “É necessário que um sobressalto cívico faça despertar os Portugueses para a necessidade de uma sociedade civil forte, dinâmica e, sobretudo, mais autónoma perante os poderes públicos”, exortou.


E para quem tenha dúvidas sobre o que significa um “sobressalto cívico”, a três dias da manifestação da Geração à Rasca, o Presidente incentivou os jovens: “Faço um vibrante apelo aos jovens de Portugal: ajudem o vosso País! Façam ouvir a vossa voz”, como que a dizer “para a Avenida da Liberdade, rapidamente e em força!”


E agora, a parte divertida e que extasia os comentadores da nossa praça, a de tentar conjecturar qual a estratégia de Cavaco. Que o Governo caia numa luta onde não seja usada a bomba atómica por parte de Belém, e, depois disso, sim, passar à “estabilidade politica” e para o “programa estratégico de médio prazo”.


Seria bom que apesar de Cavaco ser um dos rostos do Estado que levou ao estado a que a gente chegou, o Presidente acredite realmente no que discursou e não tenha feito uma jogada táctica para acertar contas com aqueles que engendraram a tal “campanha de calúnias, mentiras e insinuações”, denunciada no discurso após a vitória nas eleições.

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